SER TÃO

Laymert Garcia dos Santos* 2024
O traço comum a quase todos os artistas reunidos nesta exposição é que eles figuram seres existentes em mundos paralelos, habitantes de espaços-tempos outros, aquém ou além da realidade ordinária, mesmo quando se encontram dentro desta. Portanto, o que aproxima esses artistas é a capacidade ou o dom de possuírem a chave de acesso, de conhecerem a abertura para os mundos dessas criaturas que eles trazem até nós.
Nesse sentido, chamo, de saída, a atenção do espectador: Veja bem esses seres, note como vão surgindo, tomando forma, ganhando consistência; perceba sua singularidade, expressa em detalhes sutis ou inusitados; extraia sua figuração incomum inumana, ou não-humana, seu caráter híbrido, humano-animal; realize sua manifestação fantasmática, ou sua presentificação como deuses ao mesmo tempo absurdos e inteligíveis.
Assim, o que mais surpreende, e encanta, nesse conjunto de obras – parte da coleção de Pedro Olivotto – é, primeiro, a própria existência desses mundos paralelos coabitando num mesmo chão, o chão do Sertão, o enorme território que se estende do norte de Minas Gerais até o Ceará, passando por regiões da Bahia, de Alagoas, de Sergipe, de Pernambuco, de Piauí, Paraíba e Rio Grande do Norte. Tais mundos são indissociáveis dessas terras, de suas gentes, de suas vidas – é lá que eles existem… Mas a surpresa e o encantamento se intensificam quando nos damos conta da riqueza e da variedade da manifestação. Como se houvesse efetivamente um solo comum, caracterizado pela prevalência imperiosa do imaginar mundos; mas como se cada artista inspirasse e expirasse um determinado estado, uma determinada atmosfera, uma determinada condição, uma determinada aparição, uma determinada condensação, em suma uma determinada sintonia das vibrações que percorrem essas terras e dão vida e grandiosidade a esses seres, a esses mundos, a esses mundos de seres.
Daí a constatação: o que se expõe é o imaginário superlativo das gentes da terra – o Sertão é SER TÃO.
*Laymert Garcia dos Santos* é professor-pesquisador aposentado da Unicamp, colecionador e curador de exposições nacionais e internacionais. É o curador das Exposições Ser-Tão, nas galerias AM-SP e AM-BH a partir da coleção da Dum Brasil (Pedro Olivotto).